CORES

vitral
by Hilary Harrison & Pablo Eduardo


SUMÁRIO

  1. Oferenda
    Sim,
    são rosas negras, que não te convêm.
  2. Primeira lição
    A escada é espiral, antiga -
    ferro em treliça, inglesa.
  3. Bellus
    Oh! Morte, que buscas minh'alma
    Minh'alma te espera em Veneza
  4. O neném dorme
    Dormes.
    A tarde dorme.
    Pássaros dormem
  5. A mão eterna
    Plantou um grão
    olhou a mão.
  6. Reflexos
    Os lírios já cumpriram os rituais.
    Agora, cai o sol
    nas águas, faiscante.
  7. Ternos campos
    Este silêncio
    estas árvores
  8. Nos caminhos de Natan
    Entre vastos salões e vasos
    sanitários gordos, imensos
  9. Os búzios
    Os feitiços
    de verão
    (tenho certeza)
    vêm do amor
  10. Sagração
    Eis a rosa negra, a terra devastada,
    e o anjo sedutor, da fronte de esmeralda.

V I T R A L

Cores Transparências Quebras Estilhaços Cortes


Oferenda

Um acorde suspenso no ar
indica o lugar
que o silêncio cobriu.

Sim,
são rosas negras, que não te convêm.
Porém
aqui estão. E não são tristes -
têm matizes
de um vermelho-sangue
tão reais
que nunca viste.

Pode a chuva
desbotá-las
e jogá-las pelo chão.
- Não fiques triste.
Minhas mãos
produzem as negras rosas.

Não, tu não verás
as cicatrizes.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Primeira lição

Para Anísio Mello,
Mestre.

A escada é espiral, antiga -
ferro em treliça,
inglesa.

Pés delicados brotam da luz
no alto degrau -
Alteza.

Leve e lunar, um corpo desce.
Gira, some... aparece!

Negro o peignoir, alças finas,
lembra Berlim, anos 30.

Na sala, crescem
penumbra e vapor.
Na escada, ela - fada, fulgor.

A cada giro, langor hipnótico,
risca no ar o aroma.
Gótico.

Lâmina acesa
Arcanjo
Pantera.
Gira, some... reverbera!

Súbito, a fina
alça cai!
Ela, sublime, se inclina
com um seio na mão.

O olhar no ar - cristalino.
E um pudor
de atelier florentino.

E então me vê!
Pálida, estanca.

Ao fundo, carmim,
faz duro contraste.

A cena pára.

... É assim a Arte.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Bellus

"O artista é um homem atirando-se
contra o caos. Arrancando e puxando
o máximo possível desse caos para
alguma espécie de ordem ou beleza."

Ezra Pound

Para Jorge Tufic

Oh Morte, que buscas minh'alma
Minh'alma te espera em Veneza
Presa à sombra espectral da Ave
Ave ao busto de Minerva, presa.

¤ ¤ ¤

Te quero, Beleza, assim:
tão Rio, tão Tirol, tão Paris.
Te quero Monet e David.
Te quero Salvador Dalí.
Que sejas Rimsky-Korsakov
e que lembre Debussy,
Villa, Chopin, Tchaikovsky,
a Carmem e Il Guarany.
Vem à essência de um verso
de Drummond, de Valèry,
num gesto de Nureyev
bailando fadas de Grimm.

... E tenhas pena de mim
que te procuro nos ventos
qual Heathcliff à Cathy
enquanto em espumas desmaias
nas praias do Havaí.
E nem precisas vir Pound
d'Os Cantos definitivos.
Mas antes, dos olhos Bruna
de um Taylor indescritível.

Vem das fascination songs
Humphrey-Bergman again play
Stella By Starlight.
Me vem Billie Holiday.
Que eu já por ti fui a Roma,
a Chillon respirar Byron,
cruzei porões ghosts do Louvre
entre Grécias, Pérsias e Cairos.
Roguei aos druidas magos
um lume de teu mistério -
me cegaram Alephs mágicos:
Era Borges. Era Dante. Era Homero...
Eram elmos e eram lanças cravejados
de safira oriental. Era um broquel
lavrado em ouro que esplendia
sombras de Leonardo e Rafael.
Então vi Hesse e vi Sidharta
e de Madame Flaubert, le mot juste,
quando então - Quixote doido -
parti à recherche de Proust.

Conta-me pois, que me falta?
Por que me deixas assim
e vais morar mãos de Fídias,
de Rembrandt, de Tom Jobim?
Mozart, pede por mim!
Diz meu amor por Wilde,
que durmo com Shakespeare.
Que por Elis já chorei
um lago azul de Annecy.
Confessa como eu sofri
vendo a lira de Orpheu encantada
no êxtase de um longo beijo
levar, bêbado, Vinícius,
num bonde chamado Desejo.

Por isso, Beleza, é tão densa
a forma como eu te sei:
eu te aprendi na ternura
das coisas todas que amei.
Te espreito nas Tumbas Médicis,
nas curvas nouveau de Guimard,
quando eu respiro, ao meu peito
vêm notas Liszt no ar.
- Eu tenho o dom de te amar!

Quando eu não-ser for do mundo
Oh Venus! Vem me buscar...
Me leva em teus braços helenos.

Ne me quittes pas.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


O neném dorme

Para Ian

Dormes.
A tarde dorme.
Pássaros dormem.
Pousa um silêncio no ar.
Os galhos matizam sombras
no chão. O vento
é tão gostoso no meu rosto...
O tempo fez do meu coração
teu lar.

Dormes.
E tudo é suave
para não te acordar.

Como é o mundo
da gente aflita,
dos dias turvos,
da hora triste?
Esse mundo
existe?
Nós somos eternos.
Nós somos felizes.
Estamos aqui.
Quem nos irá separar?

Dormes.
As nuvens passam.
O dia esvai-se.
As folhas caem
... devagar.
A borboleta
que em teus cabelos brincava
seguiu caminho no ar.
Só nós permanecemos.
Nós, que nos queremos.

De um mundo, depois,
saberemos
além das plantas do pátio
e da grama.
Mas aqui onde dormes
emana
de Deus,
a sua mais bela estampa.

Que mais no mundo haverá?

Dormes.
A tarde segue.
A tarde leve e bonita.
Cheia de um sol
que é tão bom...
(Quem nos irá separar?)
Esta é a nossa casa
e este céu é o nosso.
É ele que nos guardará.

Hoje só há tu e eu.
E tu és meu,
tu és meu.
Serenamente meu.
O meu neném
que dorme.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


A mão eterna

Para Clealdo Monteiro

Plantou um grão
olhou a mão.
Daquela mão
saíam eras.
Deitou no chão.
E um coração pulsou
na Terra.
Uma canção
assobiou.
Quando olhou
já nem pudera:
toda a visão
toda a canção
aquela mão
estavam velhas.
E Zé João
que fora jovem
forte e são
quando plantou
ali um grão,
tão já não era.
Mas logo ali
bem junto a si
ela:
reta, suave,
amiga e bela -
a Árvore.

Gravado ao tronco
um coração
- o que pulsara na Terra -
e a inscrição:
"AQUI PLANTOU ZÉ JOÃO.
EU SOU A SUA MÃO
ETERNA".

Hoje,
no mundo há um grão
de uma sombra,
uma flor,
um fruto talvez
ou mera
esperança que clama
por Zé João.

A Terra,
a Terra que somente ama
espera
que deixes ali tua mão
também
na forma de Primavera.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Reflexos

Os lírios já cumpriram os rituais.
Agora, cai o sol
nas águas, faiscante.

O dia se desfaz dos últimos matizes
com que fez chorar
Penélope e Ulisses.

Eis os luminosos feixes. Estes traços
rápidos de cais, de paz, de imprecisas
balsas e barqueiros e arqueadas varas
que os pincéis gravaram
impressionistas.

Penso nessa gente, olhos destruídos,
que agora cruzam as cidades turvas.
Homens sobre pontes voltam adversos
desse brinde ao dia
todo em ouro impresso.

Tribos e exércitos que aqui passaram
chegam nesta hora de um fulgor ainda.
Mortos, para olhar, os rostos levantaram
como a consolar-se
porque tudo finda.

Outros que ousaram desvendar as raras
ilhas esboçadas nesta maravilha
não se emanciparam mais que uma coragem.

Sempre
sempre se perdoa a Deus, que somos frágeis,
ao olhar um mar, um rio,
no fim do dia.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Ternos campos

Para Arthur Engrácio

Este silêncio
estas árvores
serão e sempre
silêncio, árvores,
quando o silêncio
imenso
me chegar.

Esta abelha
este riacho
atravessarão alegres
o espaço
que o meu corpo, exaurido,
entregar.

Este campo
o morno vento
verão os dias
as noites calmas
em que meus olhos
em adubo tornar.

E sempre o brilho
repentino
de um lagarto
ao luar.

... Ao luar.

Me faz árvore
Silêncio
me faz árvore.
Me deixa compartir
este lugar.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Nos caminhos de Natan

Para Nazaré

Entre vastos salões e vasos
sanitários gordos, imensos,
sandálias de pés gigantes,
altos sofás, cadeiras,
fogões de engraçadas chamas,
fantásticas geladeiras,
estranhos cheiros de sopa,
pernas descomunais de mesas,
ora sob alguma saia
ora sob a cristaleira,
com seus passinhos de gato
vai o bebê pela casa.

A tudo presta atenção -
um besourinho passa, o assusta,
mas logo atesta, o coitado,
o peso da mão gorducha.

Um lixo qualquer numa fresta
é uma festa!

Um ponto de sol no chão
se movimenta - o fascina.
Tenta agarrá-lo e derruba
um vaso de louça fina.

Volta depressa, escorrega
num lago suspeito - risada.
Quem teria mijado
bem no meinho da entrada?

Teima em subir a escada
pensando à sua maneira:
Eu já tentei comer terra,
puxar a toalha, sair
pela porta da rua,
fugir...
fazer cocô no tapete,
meter o dedo em tomada,
esconder mamadeira...
mas logo chegam esses grandes
- acaba a brincadeira.
Deixem eu subir a escada,
bando de gente assustada!

E vem a noite, as sombras,
e choraminga e olha
pela janela, com medo
da chuva que cai agora.

E enquanto a casa se alonga
nos olhos e sono e cansaço,
chega um anjo, o apanha
em seus poderosos braços.

Põe-lhe a chupeta, uma fralda,
outra boa mamada, um lençol,
e canta coisas antigas
que nutrem mais que o sol.

E o grande mundo se basta
por esse anjo e essa rede
aonde põe o bebê
que dorme
e sonha estrelas de leite.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Os búzios

Os feitiços
de verão
(tenho certeza)
vêm do amor. Eu aprendi
em uma praia chinesa.

Certas conchas
ela achava
e eu traduzia
de um deus que nos guardava
sob as águas de safira.

Mas assim
não repetiam
os arcanos:
cada concha tinha impressos
de rochedos e oceanos.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Sagração

"... E que para tecer meu místico diadema
preciso fora impor os tempos e universos."

"Bénédiction"
Charles Baudelaire

Introitus

Eis a rosa negra, a terra devastada,
e o anjo sedutor, da fronte de esmeralda.
Agora a tua mão é longa e se afina,
e rasga desde Cam a rota da Abissínia.
Outros que ousaram Tróia como via
arrastam-se sangrando pela escadaria.
Bárbaros tomaram a alta fortaleza
e as patas dos centauros quebram sobre a mesa.

Nem os frisos de Bizâncio no mural.
Nem a rima esculpida em cristal.

Litaniae

Tu que entre tochas e colinas e Lutécia
olhaste reis de pedra da Nortúmbria e Mércia;
Tu que entre círculos de sábios em conselho
sentaste aos pés de Ísis que sentava ao meio;
Tu que contemplaste a corte do Sião,
o rosto de Helena, a sombra do Dragão;
Tu que recolheste vasos que guardaram
vozes do Sinédrio e o olhar do condenado;

Tu que viste príncipes levando os estandartes
dedos gotejando sangue, fogo e arte;
Tu que derramaste sândalo na pedra
pois aqui passaram Agamenon e Fedra;
Tu que nos rubis dos olhos de Mefisto
viste a lança, a mão, a solidão, e Cristo;
Tu que descobriste como o ourives grego
tira do metal o resplendor de Febo;
Tu que vens salvar, nos carros da Vitória,
a ânfora partida e as disciplinas dórias...

Ungere

Lembra que esta noite - como espada escura -
ungiu com sua grei a tua investidura.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


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