SUMÁRIO
- O Guardião do Reino
Cai sobre o Palácio
a luz azul de mármore.- O trigo
O ciclo de espadas
chega às terras de Mésia- A caverna
Relâmpagos ousavam invadir o templo
e queimar o rosto das estátuas cegas.- A espera
Eu te espero no ermo de uma estrada.- O que disse a Voz
As argolas de Osíris
ataram-me às veias de teus braços- Amantes
Relógio.
Olhares turvos.- Carlos, O Magno
Este poema é um beijo
que em tua fronte eu deponho.- Poema amargo
Ela tinha nos olhos meus sonhos
E no corpo, a minha alegria.- Balada dos três meninos
Iam sob o mormaço
como em todas as tardes, iam.- A mulher de Hebron
Não repares a dor e o rigor - eles são meus.- Destino
Agora que as Parcas me fitam
não mais são cruéis
Cores Transparências Quebras Estilhaços Cortes
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
Eu te espero no ermo de uma estrada.
Os teus beijos de céu. Os teus jardins de amores.
A noite é sempre a noite, e a estrada, estrada.
Mas há beijos de céu, e há jardins de amores.
Mas a espera corta, feito uma vidraça,
o teu caminho azul / minha encarnada rota.
Aqui o mundo é frio, é turvo, é condenado
como o azul dos olhos de menina morta.
Ponte entre as estrelas e os faróis e asfalto,
velando horas de ferro que sangram de cada hora,
eu te espero. E te espero... A noite marcha
acorrentada aos dentes da cruel aurora.
E elfos cruzam ventos nos baldios imundos
dessa estrada torta, cega, indiferente.
Lá no horizonte, onde a luz descansa,
junta, a minha alma, restos de um poente.
Como eu fui quebrar os elos dessa tarde
quando flutuei na concha do teu coração, indo
desvendar a torre onde um anjo doido
guarda a faca rubra de amores findos?
Bêbado de orvalho que cai do teu rosto
que se desfaz e faz quando o vapor condensa,
aqui estou - bufão dos astros - , resignado e tolo.
Eu, o condenado à tua espera imensa.
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
A Jorge Luis Borges
(1899/1986)
As argolas de Osíris
ataram-me às veias de teus braços.
Por elas flui a última unção
que nutre o teu corpo,
cheia de luz e de Hórus.
Tenho sentido teu cansaço,
teu lento esvair,
tuas teias.
Mais de uma vez vi tua cabeça tombar nas mãos.
E as mãos esboçarem
o molde do rogo.
Sei que não foi sempre assim:
tens paredes rachadas pelo pulsar dos teus dias
e há pouco talhavas
os frisos nos pórfiros.
Mas eu sou o deus teu condutor
e tenho as argolas vitais
e o mandato.
Estás exausto, Ketrus.
E aos poucos pressentes o despertar deste sono -
Os tigres flutuam e devoram, lentos,
a tua carne.
Se te levo por esta senda
é porque conheço a linguagem do Sonho.
Tenho tentado dizê-la aos homens
mas os signos envelheceram
e ninguém mais alcança estas sabedorias.
Nesta caverna, palácio de Anúbis,
podes ouvir as vozes dos que te amaram
como ecos de um coral dentro da rocha.
Nas inscrições - muito apagadas -
encontrarás teu nome, gravado por mim,
a fogo,
muito antes de teus ancestrais.
Aqui, em vasos selados,
guardei o limite de teus passos.
Vieste por feiras imundas,
de um tumulto selvagem
e deserto.
Lá onde os homens, há séculos,
vivem do pus da arte obscena.
Outros passam sinetes
de curandeiros da alma.
Outros jogam os búzios. Alguns amolam facas.
Esta, a paisagem que atravessaste em vida.
Tem sido assim por toda parte.
Esquecem que bastam as águas
que lavam os textos sagrados
para curar as feridas do sangue.
Me comove que vaciles
se te ofereço o meu conforto.
Tu, que conduziste carros de guerra!
Mas, para além do vozerio das ruas,
para além da mulher
que unta o ventre com bálsamo,
para além das oferendas em filas de abate,
já não haverá uma porta atrás da qual
um horror diário segredavas.
Te trago à margem do rio
e à luz deste archote
para que se cumpram as confluências
que traçaram tua vinda -
nossos acordos mútuos.
Alguns, ao aqui chegar,
exasperam em honrar o compromisso,
impregnados que estão
da crosta de ilusões.
Posso vê-los na outra margem -
corações expostos,
as costas para a Luz.
Eis o barqueiro, cujos nomes
mergulham em sombras
todas as crenças -
ele que não tem nome!
Porque apenas é o real.
Sê humilde, Ketrus,
como estas pilastras
de um velho templo de Aton
e seu destino de areia.
Vê: a própria carícia do vento
é das leis que engendram o tufão.
Em meio à travessia
quando chegares na zona da reconciliação,
quando o frescor dos lábios de Ísis
te tocar a face,
sentirás então a Grande Benção:
O silêncio crescendo, longe e atrás de ti,
e eu sumindo em vapores
do que era angústia.
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
Devo este poema
a Mercês Marinho -
amiga maior.
Este poema é um beijo
que em tua fronte eu deponho.
Como querer-te eterno
se eras sonho de um sonho?
Veio esta dor que transborda
a grandeza de tua mente.
Dobras a tenda, e qual nômade
partes, silentemente.
Parte. Que as Musas te cobram
o regresso à forma pura.
Fica o teu nome gravado
na luz pérola da lua.
Fica o mais belo poema:
tua própria vida, teus dias
tornando a palavra bruta
em mágicas melodias.
Vai. Poetas te esperam
nos céus, numa grande festa.
Terás um diadema tecido
com a luz de tua própria testa.
Porque foste o verso e o diverso
Drummond de Andrade, agora
teus passos ecoam, eternos,
nas pedras e na aurora.Poema escrito no dia
da morte do poeta
Carlos Drummond de Andrade.
17.08.1987
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
No me mueve, mi Dios, para quererte
el cielo que me tienes prometido,
ní me mueve el inferno tan temido
para dejar por eso de ofenderte."A Cristo Crucificado"
Anônimo espanhol
(Século XVI)Não repares a dor e o rigor - eles são meus.
Bem acima das angústias fluem secretas leis de Deus.
Que concede por igual para o infame e o justo
a macieira, a flor, a mão direita e o fruto.
E que faz surgir da noite todo um luminoso dia,
num apogeu de harmonia.
Pedra sobre sangue ouro e pedra: catedrais
saltam da terra feito hinos. Os vitrais
quebrados, dardos, o herege, o inquisidor,
todo o arco exuberante do arquétipo amor
paira no céu neste instante
com o meu e o teu semblante.
E enquanto a Grécia tomba sob a sombra de uma cruz,
segue o Homem, extraído dessa insondável Luz.
Passarão todas as Idades e as cidades. São vento.
Mas não este Senhor, que fez a Treva e o Tempo.
Que equilibra as estrelas e move nossos destinos
com delicados fios divinos.
Mas a mulher de Hebron, cujos trapos sobre,
oculta a mutilada mão e o lábio podre,
varada a fome e dor, sentindo frio nos dentes,
anula todo esse Deus. De repente.
©Copyright Cláudio Fonseca 1998
©Copyright Cláudio Fonseca 1998