TRANSPARÊNCIAS

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SUMÁRIO

  1. A noite dos mágicos
    Ele sentava ali,
    na eternidade
  2. Milonga para Elena Conde
    O tempo vinha e passava.
    Eu olhava Elena Conde
  3. Miragens
    Eu quis teu lado outro ao de rainha.
    (Tu e a cristalina jarra antiga
    na moldura).
  4. As mãos
    Vem-me sempre essa visão:
    sou levado pela mão
  5. A dança da chuva ao sol de agosto
    Translúcidas gotas
    resplandecentes
  6. O vulto
    Teu vulto profana a noite.
    Rastro
    em filigranas douradas
  7. As sombras
    Estão os monges sentados
    no pátio interno do templo.
  8. A jóia
    A jóia é circunstancial. A tarde é morta.
    O negro manto, espelho da vitrine
    é que me importa
  9. Presságio
    Há uma fenda no ar,
    uma treva...
  10. Impressões sob a chuva
    Tristes reis avançam pela chuva.
  11. Ninguém
    Um dia ele chegou à beira deste lago.

 

V I T R A L

Cores Transparências Quebras Estilhaços Cortes


A noite dos mágicos

"Por que um deus já não marca,
como outrora, a fronte dos homens,
nem distingue, com o seu sinal,
o que foi escolhido?"
Friedrich Hölderlin

Para Luiz Bacellar

Ele sentava ali,
na eternidade.
Não mais que um porão cheio de ratos,
atlas, adagas, moedas antigas,
baratas, gravuras, discos, relíquias..

Livros e livros.
Velhas estátuas,
recortes, aranhas... monte de trastes.

Ele ali -
... na eternidade.

Eu, escondido, na madrugada,
à hora em que a sala se transmutava.
Primeiro - acordes na flauta de Pã.
E entrava, alegre,
uma rã.

À mesa enorme, arturiana,
chegavam secretos, senhores, damas...
A luz vinha em tochas, em vidros azuis.
Dentro, profano - um luar cigano,
um cego chorava e cantava blues.

Depois, entre si trocavam grinaldas
de cobras, com escamas de esmeraldas.

Seus rostos e nomes mudavam constante.
Iam à estante, sumiam em livros.
Iam à vitrola, viravam mitos.
Velhas estátuas tomavam vida
e voavam, em busca da forma antiga.
Cada relíquia que era tocada
gritava em dor. Pela escada
desciam, subiam, e sumiam fadas.

As velhas paredes viravam planos
de outras visões e arcanos.

Viam-se torres. Em suas janelas
ia cortejo e uma donzela.
Ou numa enorme praia deserta,
um menino e uma sombra - não do menino.
Sóis penetravam, lentos, nos rios,
deixando fagulhas de ouros frios.
Vi caravanas em dunas gigantes.
Tribos Masais logo adiante.
Celtas forjando bronzes e lendas.
Keats passando... todo poemas.

(Um dia, na sala, quase alvorada,
um galeão espanhol saiu das águas.)

Os magos, sinceros em seus ofícios,
brindavam às vezes, com o suicídio -
quando perdiam o fervor à Arte
ardiam em piras - viravam mártires!
(Suas origens teriam sido
de linhas puras
de infinito.)

Eu ansiava, noites e dias,
ser o jogral dessa confraria.
Lorca, Pessoa, Rilke... enfim,
que um dia tocassem meu pobre Mim.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Milonga para Elena Conde

O tempo vinha e passava.
Eu olhava Elena Conde.
Elena Conde me olhava.
O tempo vinha e passava.

Se Elena Conde falava,
não sei. Eu nem ouvia.
Mas via, dos gestos próprios,
brilharem caleidoscópios.

Pedaços do céu moravam
nos olhos de Elena. Chuvas
lhes transbordavam às vezes.
Às vezes dois sóis luziam.

Diziam que era tolice.
Coisas da meninice. Tonto.
Eu nem sequer escutava -
era só Elena e pronto.

E o tempo vinha e passava.
Eu olhando Elena Conde.
E Elena Conde me olhava.
E o tempo vinha e passava.

Puseram um riacho, um dia,
entre mim e Elena Conde.
Nas águas, quando um olhava,
lá estava o outro. E ria.

E o tempo vinha e passava
nascia gente e morria.
Morreu até o riacho.
Onde anda Elena Conde?

Por isso, alegre ou triste,
ou nem uma coisa nem outra,
quer seja aqui, seja onde,
só penso em Elena Conde.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Miragens

Eu quis teu lado outro ao de rainha.
(Tu e a cristalina jarra antiga
na moldura).
Mais que o teu encanto
- que é luz e queima quanto -
eu quis a tua alma
frágil, igual a minha.

Anos dediquei ao culto de miragens
nessa paisagem de apagadas linhas.
Ias como vão montanhas na neblina -
tu que eras nuvem
nos meus braços-sonho.

Me perdi nas dunas do teu abandono.
Dono da poeira morta em teu caminho.
O mundo é todo dia o meu te olhar buscando
o gesto como afagas
teus lençóis de linho.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


As mãos

Vem-me sempre essa visão:
sou levado pela mão
em uma escadaria.

Tão antiga a outra mão...
E que forte a impressão
em sua anatomia!

Que saudade é essa mão?
Quem seria o charlatão
de ourivesaria

que repõe as nossas mãos,
com a doce ilusão
de uma simetria?

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


A dança da chuva
ao sol de agosto

Para Júlia, Mãe.

Translúcidas gotas
resplandecentes
beijos pingentes
mimos do céu.
Strasses de sons
brinde e brilhantes
(Deus em gotas
resplandecentes).
Ao vento regente
bailando
se vão
transparentes
cíntilas
puras
pétalas argênteas
filandras de sonho
em gotas
resplandecentes.
Pepitas turgentes
de paz
cristalinas
estrelas cadentes
sementes
begônias - frondor.
Serenas...
júbilas
lúdicas
lindas
... e livres.
Elos de amor.

Manaus, 1979

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


O vulto

Teu vulto profana a noite.
Rastro
em filigranas douradas
esplende o adorado rosto.
... E flutuas
feito astro.

A brisa que transpassa
a túnica estrelada
cristaliza o orvalho
em diamantes
d'água.

Nuvens
seguem trançando
guirlandas
de honor
com rosas multicolores
que os versos foram depor.

E até os ventos se prostram
extasiados de amor.

Não,
não posso ver-te
nos mistérios de que és parte.
Mas à luz da lua
inscrevo-te
nos mármores da Arte.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


As Sombras

"Lectio / meditatio / oraiso / contemplatio -
Esta é a escada".
Guigues Le Chartreux,
sobre as Regras Beneditinas.

Estão os monges sentados
no pátio interno do templo.
E tudo é pedra e silêncio
e esses monges sentados.

E lentamente o cortejo
(estão os monges sentados)
de suas sombras caminha
com a luz do sol. E se alinha
de um lado para o outro lado.

Mas confinada entre arcos
desde o soar da hora prima
à hora nona, termina
a luz que entra no pátio.

E seguem os monges sentados
como se fossem uma linha
por onde em sonho caminha
um deus brilhante e amado.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


A jóia

I

A jóia é circunstancial. A tarde é morta.
O negro manto, espelho da vitrine,
é que me importa.

O negro manto em vertical beleza
que oferece a jóia
a ela, cuja imagem no veludo
lembra Goya.

Mas a rua é cinza e transversais enredos.
Cai no negro manto, cai
o rosto
e os seus medos.

II

Segue pela rua. Calma e vai ausente
dos fantasmas cinzas da cidade.
Sente
a jóia faiscar nas sedas,
nos cristais, nos prismas, nos punhais de ofícios
do altar
da mente.

Some pela rua. Calma e colorida.
Os fantasmas planam na cidade cinza.
Intacta, a jóia
duplicada, linda.

III

E ali ficou no manto ao qual dedico o verso -
intacto, o encanto.
E o reflexo.

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©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Presságio

Para Zemaria Pinto

Há uma fenda no ar,
uma treva...
Um sentimento de ferros retorcidos.
Há neblinas de hemisférios não sabidos...

- Há uma fenda no ar!

Não queria desses áugures perversos
seus complexos ruídos transparentes.
Nem seus rostos escorrendo nas vertentes.
Não queria.

Mas a sombra encobre o sol tão lentamente
que a penumbra invade a alma
e contagia.

É como um sabre decepando a alegria
no oriente do dia.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Impressões sob a chuva

OS HOMENS

Tristes reis avançam pela chuva.
Mártires os seguem, e fluem, transpassados
pela água, que inunda as almas
dos que ficam sobre o chão da Escandinávia.

AS CRUZES

Negros olhos choram aos pés do condenado
à esquerda de Jesus. O sangue amado oscila
e cai. E a chuva cai e junta o sangue
ao sangue do Amor traído e frágil.

A CIDADE

A perna desse homem clama por cuidado.
Alguém é convidado, e a ternura é rara.
Segue pela chuva, e nem esconde a chaga
dos que chegam ao baile. O reluzente átrio.

O QUARTO

O castiçal é a última elegância de seu quarto.
Rompe o véu da chuva a luz
e expõe a dor
que se debruça em meu retrato.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


Ninguém

Um dia ele chegou à beira deste lago.
E aqui seu coração tombou, feito em destroços.
Veio a solidão da pedra e da serpente
e um leve refluir de rostos sobrepostos.

Ninguém lhe viu cair, da face, o brilho quente.
Nem seu mergulhar nas águas transparentes.

Ninguém viu sua dor correr pela cidade,
bater em cada esquina e porta, como um dardo.
Ninguém viu transpirar das árvores um grito.
E nem dali voar o pássaro assustado.

... Nem a dor voltar em busca de um ausente.
Nem seu mergulhar nas águas transparentes.

SUMÁRIO

©Copyright Cláudio Fonseca 1998


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